Hebreus

CRISTO É O ÚNICO SACERDOTE VERDADEIRO

A assim chamada carta aos Hebreus é comumente atribuída a são Paulo. Entretanto, seu estilo não tem nada parecido com o de Paulo, e até o séc. IV a Igreja do Ocidente recusou-se a atribuí-la ao Apóstolo. Seu autor é desconhecido, da segunda geração cristã (2,3), e escreveu-a por volta do ano 80. Nada indica também que o texto seja uma carta: faltam endereço e saudação, e o estilo é impessoal, sem nenhuma referência a destinatários. O gênero literário é mais o de sermão ou homilia. Só no final (13,20-25) aparecem elementos típicos de um bilhete, talvez enviado juntamente com o discurso e recomendando a sua leitura.

Os destinatários são um grupo de leitores que se acham em grande perigo de rejeitar a fé em Jesus como revelador e portador da salvação. Eles sentem dificuldade em aceitar, tanto a forma humilhante e dolorosa da aparição terrestre de Jesus (Hb 2), como os próprios sofrimentos que estão tendo que suportar por serem cristãos (10,32ss; 12,3ss) e ainda a desilusão de não verem realizada a salvação final (10,36s; 3,14; 6,12). Por outro lado, parece que a religião do Antigo Testamento exerce forte influência nesse grupo. Pode-se supor que sejam judeus convertidos da comunidade cristã de Roma.

O escrito é de grande importância no quadro geral do Novo Testamento, pelo fato de apresentar Jesus como aquele que supera a instituição cultual do Antigo Testamento. Paulo havia mostrado a caducidade da Lei, anunciando que não é a piedade legalista que salva. Agora, o autor de Hebreus mostra que a piedade cultual ligada ao Templo e aos sacrifícios não assegura o perdão e a comunhão com Deus.

O único ato salvador a obter de uma vez por todas o perdão é o sacrifício de Jesus, que derramou seu sangue e entregou sua vida por nós. Ora, Jesus não realiza nada parecido com uma oferenda religiosa nos moldes cultuais judaicos: em lugar de uma ação sagrada realizada no recinto do Templo e com rituais precisos, ele morreu fora do Templo e da cidade santa, como criminoso eliminado da sociedade (13,12).

Jesus é, portanto, o único mediador entre Deus e os homens. Doravante, é ele o único santuário e sacerdote, e o sacrifício por ele realizado é, daqui por diante, o único agradável a Deus (9,11-14). As conseqüências são radicais:

- Exceto Jesus, nada mais é absoluto: nenhuma instituição ou estrutura, tanto civil como religiosa, tem caráter absoluto e intocável. Sendo único mediador, Jesus abre completamente a comunicação entre Deus e os homens, e dos homens entre si.

- O povo está livre para participar inteiramente da realidade de Jesus e, portanto, ter acesso à intimidade com o próprio Deus.

- Frente à pessoa e vida de Jesus, todas e quaisquer instituições, estruturas religiosas ou civis têm caráter relativo e provisório, sendo passíveis de revisão crítica, reformulação e renovação.

- O verdadeiro culto a Deus se realiza através da própria vida. O modo de servir a Deus não são ritos religiosos, mas obediência à sua vontade, que se manifestou radicalmente na doação vivida por Jesus até à morte (10,1-10). O único valor do culto consiste em expressar, concreta ou simbolicamente, o culto que os homens prestam a Deus através da própria vida.