Pe Fábio de Melo
Pe Fábio de Melo
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Outono e outras passagens

A vida é passagem. Barcos que se vão, vidas que se separam e se despendem. Lenços acenando, anunciando que a saudade permanecerá.

As folhas que caem são uma forma de saudação silenciosa que aponta para uma nova estação que se prepara para chegar. Outono é passagem. É estação de preparação. E nisto está sua beleza. Consiste em ser o tempo que precisamos para perceber que já não é mais verão, e que o inverno ainda não chegou.

É a estação que nos ajuda na travessia sem traumas, sem mudanças bruscas. Tempo que nos prepara para o frio que nos envolverá.

Provando as estações

Semelhantes às estações do tempo são as estações da vida. O seu coração sabe disso. Já provou diferentes formas de sorver a experiência de viver. Primaveras, com suas cores, amores, e encantos que são próprios desse tempo de frutos tão iluminados. Verões, com suas luzes, exterioridades, calores e noites mais curtas. Invernos, com suas restrições, belezas veladas que exigem observância maior, e um forte poder de nos levar para dentro de nós mesmos. Outonos, frutos e sabores de uma época que nos ajudam passar...

Você vive passando. Passa por muitos lugares, por muitas pessoas e por muitas questões. E passar é perder. É ganhar perdendo, porque não há perdas sem ganhos. É neste momento que o outono se concretiza em nós. No momento em que percebemos que o processo das perdas tornou-se inevitável. Tempo em que as folhas se despedem da segurança dos troncos, e caem, para que a vida continue em frente.

Eu sei que não é fácil viver essa estação. Apesar dos seus múltiplos encantos, ela não parece combinar com sua pouca idade. Você vive a ansiedade dos ganhos, e definitivamente ainda não quer ouvir falar em perder. Mas a maturidade não vem ao coração humano se não for por meio das perdas. Porque viver é perder. É deixar de ser o que se era para se tornar uma nova pessoa a cada segundo vivido. Perdas físicas, afetivas e intelectuais. Deixo de ser criança, de ser tratado como criança e de receber a atenção dobrada que até então podia receber sem implorar. O outono chegou. É tempo de passar, de assumir o novo, colher os frutos que a antiga estação legou-nos e semear os novos que cultivaremos.
É tempo de pensar com mais seriedade, de fazer escolhas, investir nelas, renunciar situações, e deixar que se desprendam dos ombros os excessos que insistem em nos pesar.

A vida e suas tristezas belas

Tenho encontrado muitas pessoas que se tornaram infelizes porque não deixaram a vida passar, nem deixaram as folhas caírem. Viveram e assumiram a tentação de se fixarem nos acontecimentos. Assim, impediram que as estações trouxessem as belezas de suas diferenças. Ficaram tentadas a estender a primavera por mais tempo. Outras o inverno. Há quem se fixa na alegria, e outras na dor. É justamente nesse momento que o outono perde o seu poder de transição. Rejeitar a passagem é privar-se da renovação das folhas, que num futuro muito próximo, nos presenteará com novos frutos.

Eu não sei como anda o seu coração, mas tenho uma ligeira intuição de que você também teme as passagens, e que de alguma forma está insistindo em fixar experiências que foram feitas para passar. Não tema a passagem, nem as perdas que dela nascem. Só poderá provar o encanto da novidade quem se entregar aos braços do outono. E então você se surpreenderá com o crescimento que o desprendimento trará ao seu coração.

É muito tentador querer que a vida seja sempre marcada pela alegria. Mas sabemos que não é assim. A sabedoria consiste em acolhê-la como ela nos vem. Outro dia escutei um rapaz me confessar uma dor muito profunda. Depois de ouvi-lo perguntei: “Onde está a beleza de tudo isso que lhe faz sofrer?” Olhou-me assustado e disse: “É possível haver beleza aqui?”.

Foi então que lhe falei dos segredos do outono. Mostrei-lhe o quanto é belo o processo do sofrer, ainda que doído. Evidenciei o quanto as perdas despertam-nos a criatividade e dei-lhe exemplos de homens e mulheres que só se tornaram grandes na vida porque um dia souberam sofrer de maneira redentora.

Ao final, ele me sorriu e disse: “Ok, padre, vou observar melhor a beleza das folhas caídas”.

Ainda que numa fração de segundos, experimentamos a beleza de ver o tempo se acomodando em nós. Com suas propostas, imposições e mudanças. O outono é justamente a ponte por onde a vida se transporta para dentro de nós. E então nos percebemos diante de realidades que não imaginávamos um dia ter que tocar. Há outonos que duram um dia, outros, alguns segundos. Cada coração o percebe de acordo com suas condições.


Fonte: www.fabiodemelo.com.br