O que fazer depois do lançamento da Portaria nº 415?

Na última quarta-feira, 21 de maio, o Ministério da Saúde lançou a Portaria nº 415 no Diário Oficial da União. A publicação, ambígua, traz ainda mais brechas para a prática do aborto nos hospitais de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) com a seguinte redação:

Art. 1º Fica incluído, na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses/Próteses e Materiais Especiais do SUS (...) o procedimento (...) – INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO/ANTECIPAÇÃO TERAUPÊUTICA DO PARTO PREVISTAS EM LEI e todos os seus atributos.

A interrupção da gestação/antecipação terapêutica do parto é um eufemismo para o aborto, que segundo a Portaria deve ser executado com o custo de R$ 443,40. Segundo o Ministério da Saúde, este valor inclui o pagamento de uma equipe formada por médicos, psicólogos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, assistentes sociais e farmacêuticos.

A Portaria é decorrente da lei 12.845, sancionada sem vetos pela presidente Dilma Rousseff em 1º de agosto de 2013. O projeto que deu origem à lei passou sorrateiramente pelas duas casas do Congresso Nacional e chegou à sanção presidencial com a seguinte redação nos incisos IV e VII do art. 3º, dois dos mais polêmicos do texto:

Art. 3º O atendimento imediato, obrigatório em todos os hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os seguintes serviços:

IV – profilaxia da gravidez; (...)

VII – fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis.

A linguagem também foi usada para esconder a palavra aborto, designando a gravidez como doença que deve ser prevenida, por isso o termo profilaxia da gravidez. Já o fornecimento de informações sobre direitos legais, por não estar detalhado, abre margem à seguinte interpretação: no atendimento médico, há a possibilidade das vítimas serem convencidas a consentir com a prática de um aborto.

Mesmo depois de inúmeras conversas entre a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), várias outras entidades religiosas e a Casa Civil, Dilma Rousseff aprovou o texto sem veto, abrindo inúmeras possiblidades para a prática abortiva no país.

Neste sombrio cenário, a Conferência e as entidades religiosas conseguiram, ao menos, o envio ao legislativo do projeto de lei 6022/2013, com uma redação mais detalhada, em que estão mais explicitados os procedimentos dos incisos IV e VII.

Mesmo esta iniciativa do projeto de lei ainda traz desacordos entre o governo e os organismos religiosos. “O PL 6022/2013 deveria ser acompanhado pelo veto parcial da lei 12.845. Ele modifica a definição de violência sexual, deixando claro que se trata de estupro. Também explica que a profilaxia se refere à pílula do dia seguinte, mas essa segunda questão queremos retirar”, explica Lenise Garcia, presidente do movimento supra-partidário e supra-religioso Brasil Sem Aborto.

Normas Técnicas

Toda a questão vem sendo permeada por duas Normas Técnicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, no intervalo de 16 anos, e apreciadas na Portaria.

Em 1998, José Serra, então ministro da pasta, publicou a Norma Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, que afirma ser ‘legal’ e ‘permitido’ fazer o aborto em gravidez decorrente de estupro. A Norma também indica que a mulher, nesta situação, desejosa de fazer o aborto seria liberada do exame de corpo de delito, apresentando somente um boletim de ocorrência sem necessidade de apresentação de provas.

Em 2004, o ministro era o petista Humberto Costa, que lançou a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, dispensando o boletim de ocorrência para o aborto e impelindo os médicos a agirem contra a própria consciência com a afirmação: ‘É dever do Estado manter, nos hospitais públicos, profissionais que realizem o abortamento’ (pág 15).

Com a Portaria nº 415, o Estado passa a arcar com o procedimento abortivo contemplando, de forma mais direta, os três casos em que o aborto não é penalizado no Brasil: risco de morte, anencefalia e estupro. Também traz brechas sobre a questão da objeção de consciência médica, que, dependendo da interpretação do governo, pode obrigar os médicos a executarem o nascituro, excluindo os princípios éticos e religiosos de cada profissional.  

Ações

Neste domingo, 25 de maio, durante a 6ª Peregrinação Nacional da Família, a Comissão Episcopal para a Vida e Família e a Comissão Nacional de Pastoral Familiar emitiram um duro manifesto contra a Portaria. Um dos trechos destaca:

Neste momento histórico em que o Brasil é palco de manifestações de violência doméstica, mortes de filhos pelos pais, linchamentos em vias públicas, greves truculentas que perturbam a vida das cidades, é um escândalo, protagonizado pelas elites que comandam nosso país, essa portaria que destina verbas públicas para mais um ato agressivo contra a vida das crianças.

Lenise Garcia, que também é integrante da Comissão de Bioética da CNBB, afirma que a Portaria deve ser revogada. “Além da retirada desta portaria, é importante a mobilização para a aprovação do PL 6022/2013. A população deve cobrar o andamento deste projeto no Congresso”.

Em nota divulgada na última sexta-feira, 23 de maio, o Partido Social Cristão (PSC) disse que também vai recorrer à Justiça contra a Portaria. Também está em andamento, na Câmara dos Deputados, o PL 6033/2013 que pede a revogação total da lei 12.845.